Lembranças dos tempos em que jornais e revistas eram feitos nas saudosas oficinas tipográficas - Editor: Darci Fonseca

26 de out. de 2014

“A MARCHA DO BORDERÔ” – AQUINO E SEU BOM HUMOR CONTRA O ATRASO NO PAGAMENTO


Em pequenas e mesmo grandes empresas do ramo gráfico nos anos 50, 60, 70 e 80 era comum atrasar o pagamento. Quando chegava o dia dez, não raro os patrões acenavam com um valezinho e pediam paciência aos funcionários, isto é, quando pediam pois em certas firmas o ‘anormal’ virava normalidade. Um dos campeões desse desrespeito era a empresa Diários Associados, pertencente a Assis Chateaubriand e que tinha Edmundo Monteiro como principal diretor. Os funcionários desse conglomerado de comunicação composto por jornais, emissoras de rádio e televisão tinham que ‘dançar miudinho’ e se virar para pagar suas contas. Três meses de atraso no salário era comum nos Diários Associados e para sobreviver muitos dos trabalhadores mantinham um segundo emprego no qual recebiam em dia. Inocêncio Ramblas Filho e Mário Dias, ambos da equipe de manutenção das máquinas Linotipo, eram dois exemplo de empregados do Diários Associados que viviam essa difícil situação.

À esquerda Assis Chateaubriand, o dono dos Diários Associados;
no centro Mário Dias e à direita Inocêncio Ramblas Filho, dois dos
muitos funcionários que ficavam meses sem receber naquela empresa.

Aquino
Porém nem todos os funcionários se desesperavam com a rotina de atrasos de pagamento e esse era o caso de um linotipista da Linotipadora Artestilo. Nessa pequena empresa de aproximadamente 25 funcionários, situada no bairro do Brás em São Paulo, nenhum gráfico contava receber seu salário no dia dez. Obviamente nenhum deles ficava satisfeito com as explicações dos patrões que inventavam os mais esdrúxulos argumentos para justificar os atrasos. O linotipista Aquino era um dos que ‘recebiam um limão dos patrões e com ele fazia uma limonada’. Aquino era apelidado de ‘Vô’ porque apesar de ter menos de 40 anos já era avô e talvez esse fato fosse uma das razões do seu constante bom humor. Aquino gostava de samba, tocava pandeiro e até compunha músicas.

Em qualquer roda de samba na Linotipadora Artestilo lá estava o 'Vô' (Aquino com
seu pandeiro, como na foto à esquerda em que está com Pìmentinha e Quarentinha.
na foto à direita Aquino entre o linotipista Profeta e o paginador Sola.

Em fevereiro de 1980 havia chegado o dia de pagamento, uma segunda-feira dia 11. O clima entre os funcionários da Linotipadora Artestilo era de tristeza pois já sabiam que o açougue, a quitanda, o armazém e o aluguel teriam de esperar alguns dias mais. No mês anterior os patrões haviam atribuído o atraso no pagamento ao ‘borderô do banco’. Novidade absoluta em termos de justificativa e claro que ninguém entendeu essa nova e criativa desculpa. Para dar um ar mais trágico ao novo atraso, chegava a semana de Carnaval e imperava na linotipadora um ambiente de velório. Hora do almoço, o pessoal reunido sussurrando homenagens às mães dos quatro patrões e eis então que chega, sorridente como sempre, o simpático Aquino. Com seu pandeiro e um pequeno papel na mão o ‘Vô’ foi dizendo: “Turma, fiz uma marcha para ser cantada no Carnaval...” Os sorrisos começaram a tomar conta dos rostos de todos pois sabia-se que Aquino era compositor bastante inspirado. A surpresa foi grande quando o alegre linotipista anunciou o título de sua marchinha carnavalesca: “A Marcha do Borderô”. Ouviu-se em uníssono uma estrondosa gargalhada que fez com que até os patrões colocassem as cabeças para fora do mezzanino onde funcionava o escritório. Como era hora de almoço os gráficos tinham liberdade até para cantar e Aquino, acompanhando-se ao pandeiro, mostrou “A Marcha do Borderô”:

           Atrasada em seus compromissos
          Consequência da situação ruim
          Como sofre a pequena empresa
          Para os empregados é o fim...

                     Desesperados
                    Os patrões dão um alô – ôô-ôô
                    O culpado disso tudo
                    É o borderô

           Leve um valinho
          Uma quina, um barão
          Dar tudo agora
          Nós não temos condição

          Dar tudo agora, nós não temos condição...

Desnecessário dizer que “A Marcha do Borderô” virou um sucesso na Artestilo e durante aquele Carnaval de 1980 não se cantava outra marchinha, a não ser a composta pelo Aquino.


Aquino era bom de samba, mas nem tanto bom de bola. Mesmo assim aparece na
foto como capitão entregando flores ao capitão adversário, Pimentinha; aparecem
ainda João Batista Rigo, Clemente Macchio e Valentim Rigamont. Na foto à
direita Aquino ao lado de Hortêncio Giribola e Liberato, por ocasião de partida
entre Linotipo X Paginação em congraçamento da Linotipadora Artestilo.

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