Em pequenas e mesmo grandes empresas do
ramo gráfico nos anos 50, 60, 70 e 80 era comum atrasar o pagamento. Quando
chegava o dia dez, não raro os patrões acenavam com um valezinho e pediam paciência
aos funcionários, isto é, quando pediam pois em certas firmas o ‘anormal’
virava normalidade. Um dos campeões desse desrespeito era a empresa Diários Associados,
pertencente a Assis Chateaubriand e que tinha Edmundo Monteiro como principal
diretor. Os funcionários desse conglomerado de comunicação composto por jornais, emissoras de rádio e televisão
tinham que ‘dançar miudinho’ e se virar para pagar suas contas. Três meses de
atraso no salário era comum nos Diários Associados e para sobreviver muitos
dos trabalhadores mantinham um segundo emprego no qual recebiam em dia. Inocêncio
Ramblas Filho e Mário Dias, ambos da equipe de manutenção das máquinas Linotipo,
eram dois exemplo de empregados do Diários Associados que viviam essa difícil
situação.
À esquerda Assis Chateaubriand, o dono dos Diários Associados; no centro Mário Dias e à direita Inocêncio Ramblas Filho, dois dos muitos funcionários que ficavam meses sem receber naquela empresa. |
Aquino |
Em fevereiro de 1980 havia chegado o
dia de pagamento, uma segunda-feira dia 11. O clima entre os funcionários da Linotipadora Artestilo era de tristeza pois já sabiam que o açougue, a quitanda, o armazém e o aluguel
teriam de esperar alguns dias mais. No mês anterior os patrões haviam atribuído
o atraso no pagamento ao ‘borderô do banco’. Novidade absoluta em termos de justificativa e claro que ninguém entendeu essa
nova e criativa desculpa. Para dar um ar mais trágico ao novo atraso, chegava a
semana de Carnaval e imperava na linotipadora um ambiente de velório. Hora do almoço, o pessoal reunido sussurrando homenagens às mães dos quatro patrões e eis
então que chega, sorridente como sempre, o simpático Aquino. Com seu pandeiro e
um pequeno papel na mão o ‘Vô’ foi dizendo: “Turma, fiz uma marcha para ser
cantada no Carnaval...” Os sorrisos começaram a tomar conta dos rostos de todos
pois sabia-se que Aquino era compositor bastante inspirado. A surpresa foi grande quando o
alegre linotipista anunciou o título de sua marchinha carnavalesca: “A
Marcha do Borderô”. Ouviu-se em uníssono uma estrondosa gargalhada que fez com
que até os patrões colocassem as cabeças para fora do mezzanino onde funcionava
o escritório. Como era hora de almoço os gráficos tinham liberdade até para
cantar e Aquino, acompanhando-se ao pandeiro, mostrou “A Marcha do Borderô”:
Atrasada em seus compromissos
Consequência
da situação ruim
Como
sofre a pequena empresa
Para
os empregados é o fim...
Desesperados
Os
patrões dão um alô – ôô-ôô
O culpado
disso tudo
É
o borderô
Leve
um valinho
Uma
quina, um barão
Dar
tudo agora
Nós
não temos condição
Dar
tudo agora, nós não temos condição...
Desnecessário dizer que “A
Marcha do Borderô” virou um sucesso na Artestilo e durante aquele Carnaval de
1980 não se cantava outra marchinha, a não ser a composta pelo Aquino.
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