Lembranças dos tempos em que jornais e revistas eram feitos nas saudosas oficinas tipográficas - Editor: Darci Fonseca

28 de dez. de 2015

FRANCISCO CANTERO, O PAQUITO, SINÔNIMO DE LIDERANÇA E COMPETÊNCIA TÉCNICA


Acima uma das ruas principais de Bauru nos
anos 40; abaixo um Jaguar XK-120, com
o ator Anselmo Duarte à esquerda,
passando em frente ao jornal Última Hora
no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.
          Nascido em Bauru no ano de 1924, o menino Francisco Cantero recebeu o apelido comum a todo Francisco em Espanhol que é ‘Paquito’. Aos 14 anos Paquito conseguiu emprego como entregador de jornais no “Correio da Noroeste”, jornal bauruense, recebendo em pouco tempo uma promoção que era passar a trabalhar internamente, na tipografia. Ali Paquito conheceu a caixa de tipos mas se sentiu mais atraído pela imponente máquina chamada linotipo, chegando a trabalhar também como redator do “Correio da Noroeste”, sem no entanto abandonar a linotipo. O salário de 100 mil réis mensais não era dos maiores, mas como vivia-se o conflito mundial da II Grande Guerra, não dava para reclamar do emprego. Quando completou 18 anos, Paquito recebeu férias e decidiu tentar a sorte em São Paulo, cidade que oferecia maiores oportunidades. Na capital Paquito conseguiu emprego como linotipista na Gráfica Cruzeiro do Sul com o salário de 500 cruzeiros, cinco vezes mais do que recebia no “Correio da Noroeste”. A Cruzeiro do Sul passou a ter a razão social de Editora do Brasil, ampliando seu parque gráfico. Assim como ocorrera em seu primeiro emprego, na Editora do Brasil, a competência profissional do jovem Francisco Cantero não demorou a ser notada e em um par de anos Paquito passou a chefe de seção e mais tarde assumiu a Direção Industrial da Editora do Brasil.

          O país encontrava-se em ebulição política com a questionada volta, desta vez através do voto, de Getúlio Vargas ao poder. Foi quando foi fundado o jornal “Última Hora”, no Rio de Janeiro, em junho de 1951, com a finalidade de dar suporte político-jornalístico ao presidente que era alvo de ataques, liderados por Carlos Lacerda, por parte de praticamente toda a imprensa da época. O projeto do novo jornal era ter uma edição em cada uma das grandes capitais do país e assim, em 1952, foi criada a “Última Hora” em São Paulo. Para o importante cargo de Diretor Gráfico da “UH” paulistana foi chamado Francisco Cantero que, aos 28 anos de idade, era reconhecido no meio gráfico como um competente gestor. Assim como no aspecto jornalístico a “UH” representou uma revolução no conceito de fazer jornal, a seção gráfica comandada por Paquito fugia dos padrões convencionais e era um exemplo de funcionalidade. Todos aqueles que passaram pela oficina da “UH” localizada no prédio situado no Vale do Anhangabaú sabem que ‘organização’ era a palavra de ordem sob o comando altamente técnico de Francisco Cantero.

Samuel Wainer
          Após o sucesso da implantação e funcionamento da “UH” de São Paulo e cada vez mais reconhecido por seu conhecimento do ramo gráfico-jornalístico, Paquito foi convocado por Samuel Wainer para executar o planejamento e supervisão da criação das “UHs” de Recife (PE) e de Porto Alegre (RS). Francisco Cantero se destacava sobremaneira a ponto de ter atuado numa função especial a serviço de um tribunal do Rio de Janeiro. Foi quando a Justiça guanabarina se viu em dificuldades para avaliar o maquinário da “UH” carioca que deveria ser penhorado para saldar uma dívida referente a um empréstimo feito por Samuel Wainer junto a um banco privado. Francisco Cantero foi convocado pelo Juiz da Vara de Execuções para a complexa tarefa que exigia abalizado conhecimento. O sonho de Samuel Wainer de criar uma rede nacional de jornais se dissipou com o golpe de estado de 31 de março de 1964. Wainer se exilou em Paris, não sem antes deixar um bilhete de próprio punho afirmando que tinha certeza que Álvaro Paes Leme (redator) e Francisco Cantero saberiam conduzir o jornal na rota cheia de incertezas que se avizinhava.

Acima identificação do jogador Pelé, ainda em
Bauru; a revista Pinduca e Paquito.
          Normalmente sério, sisudo mesmo e não muito afeito a brincadeiras, Paquito se descontraía quando participava de uma roda em que o assunto era futebol. Torcedor desde menino do Noroeste Esporte Clube da sua querida Bauru, após a chegada de Pelé ao Santos FC, oriundo do Bauru Atlético Clube, Paquito se encantou com a arte do Rei do Futebol e com a máquina de fazer gols que era o alvinegro praiano. Paquito tornou-se torcedor do Santos FC e sempre que podia ia ao Pacaembu assistir às partidas do seu time do coração, muitas vezes com credencial fornecida pelo amigo Álvaro Paes Leme, redator-chefe da Seção de Esportes do jornal. Respeitado por sua posição como Diretor Gráfico da “UH”, Francisco Cantero era chamado de Paquito pelos diretores, pelos jornalistas e também pelos colegas gráficos. Mal sabia ele que, às escondidas, era chamado por um outro, apropriado e até simpático apelido. Tendo total controle da hierarquia entre seus subordinados, estes algumas vezes (e longe dele) se referiam ao Paquito carinhosamente como ‘Pinduca’, lembrando um famoso personagem das histórias em quadrinhos que, como ele era careca.

          Com os militares no poder a “UH” paulista nunca mais voltou a ser a mesma, tendo sido adquirida pelo Grupo Folhas onde Paquito até chegou, por pouco tempo, a chefiar a gigantesca oficina gráfica do 2.º andar da Rua Barão de Limeira, 425. Não conseguiu, no entanto, implantar a imprescindível organização às oficinas da Folha justamente por não ter recebido a necessária carta branca para eliminar focos que impediam o bom gerenciamento técnico na oficina onde funcionavam 55 linotipos. Paquito era um homem excepcionalmente dinâmico e, paralelamente a seus empregos como diretor gráfico em jornais diversos, criou e dirigiu nos primeiros anos de existência o jornal “Gazeta Penhense”, que passou mais tarde a ser administrado por seu filho Eugênio Cantero. Esse talvez tenha sido o único semanário com oficinas próprias desde a sua fundação em 1964, então sediado na Rua Aurora n.º 51. Atualmente a “Gazeta Penhense” é um dos mais bem estruturados e conceituados órgãos do jornalismo dedicado a bairros paulistanos. Paquito foi durante anos diretor gráfico da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, sendo o responsável pela implantação do sistema de Fotocomposição na Imesp. Mais tarde exerceu a mesma função no “Diário do Comércio”, órgão da Associação Comercial de São Paulo.

Francico Cantero quando já aposentado em
entrevista à TV da Gazeta Penhense.
          Paquito se aposentou no dia 15/11/1982, mas continuou por mais alguns anos como uma espécie de consultor gráfico no “Diário do Comércio”. Uma das características de Paquito era acreditar nos jovens dando a eles, muitas vezes, a primeira oportunidade de trabalho. É incontável o número de gráficos, muitos deles sem a necessária experiência, nos quais Paquito percebeu qualidades e que após curto aprimoramento se tornaram excelentes profissionais. Assim era Francisco Cantero, o incansável e inquieto Paquito, a quem centenas de colegas de trabalho consagram eterna gratidão. Falecido no dia 26 de dezembro de 2015, aos 91 anos de idade, Francisco Cantero deixa uma saudade enorme e admiração ainda maior por parte daqueles que tiveram a oportunidade de trabalhar sob sua liderança.