Lembranças dos tempos em que jornais e revistas eram feitos nas saudosas oficinas tipográficas - Editor: Darci Fonseca

21 de mar. de 2015

DOMINGOS MEDINA, O PELÉ DA LINOTIPO


Conheci Domingos Medina na “Última Hora”, ou melhor, ouvia falar de Domingos Medina, pois ele fazia parte da turma de linotipistas do período noturno e eu era da turma que fazia a 2.ª edição daquele jornal. Eu (Darci Fonseca) trabalhava pela manhã e todos os demais linotipistas desse turno (Altair Martins, Francisco Sanches Matalana, Osmar Praxedes Peres, José Carlos Teodoro, Francisco Sanches Cote e Orovaldo Spoltore), e ainda os mecânicos Miguel Del Gaudio, Inocêncio Ramblas Filho e Manoel Leandro da Silva Filho, além dos paginadores, se referiam a Medina com enorme admiração. Todos ressaltavam a excelência de seu trabalho como operador de linotipo notavelmente rápido. Os quadros de produção do dia anterior apontavam invariavelmente o nome de Medina como o linotipista que mais linhas havia produzido e quase sempre com considerável vantagem sobre os demais profissionais. O regime salarial para os linotipistas na “Última Hora” era misto, com uma parte fixa e mais a produção, o que fazia de Medina o linotipista mais bem pago do jornal. E a equipe do período noturno tinha fantásticos ‘puxadores de linha’ muito rápidos, cujas máquinas praticamente não paravam enquanto o último original não fosse composto, fechando a primeira edição da U.H.

Álvaro Alves, um dos melhores
linotipistas da "Última Hora".
Equipe não homogênea - O ritmo frenético de composição dos originais fazia com que erros fossem inevitáveis, um ou outro por prova. E ‘emendar’ uma prova fazia com que o linotipista perdesse um precioso tempo. Domingos Medina se diferenciava dos demais porque chegava a atravessar uma semana inteira sem ter que corrigir uma única prova. Não sem razão Medina havia se transformado em uma lenda dentro do jornal e quando errava esse fato era até ‘comemorado’ pelos emendadores. Em tom de blague alguns deles diziam que se todos os linotipistas fossem como o ‘Mingo’, eles perderiam o emprego. E nem todos eram e nem poderiam ser, ainda que em outros jornais talvez tivessem o mesmo destaque que Medina possuía na “Última Hora”. Faziam parte da equipe noturna de linotipistas o gaúcho e rapidíssimo Álvaro Alves (geralmente o vice-campeão mensal de produção do jornal), Antônio Farias, Clemente Macchio, Gerson Zainaghi, Mário Grazzini, Ladislau Cantero Herrada, José Floriano Motta, Joaquim Antunes, Oswaldo Adelson Scarabotto, Aldo Moreno, Valentim Rigamont, Antônio Abraão, Léo Lipski, Mário Galvão de França e Dalwin Las Casas. 16 profissionais para as 16 máquinas de linotipo e, como não poderia deixar de ser, nem todos com igual competência.

Francisco Cantero Herrada, o 'Paquito'.
Comparação de provas - Francisco Cantero Herrada, o ‘Paquito’, era o Diretor Gráfico da “Última Hora” e sempre preocupado com a melhoria do rendimento da equipe que comandava, detectou que havia um linotipista que errava em excesso. Nenhuma das provas desse linotipista deixava de ter várias anotações do time de revisores do Conrado, Chefe da Revisão. Havia mesmo algumas provas que continham tantos erros que melhor seria recompor o original, gerando assim uma segunda prova, segunda revisão com perda irrecuperável de tempo para a produção da edição e de dinheiro para o linotipista. Certa noite a paciência de Paquito se esgotou e ele chamou o linotipista até a sua pequena sala envidraçada. Sobre a mesa do Diretor Gráfico havia dois maços de provas: um perfeito e outro que mais parecia um pacote de papéis amassados. No primeiro estavam mais de 20 provas de Domingos Medina, todas da jornada de trabalho anterior e todas limpas; no segundo as provas mais pareciam bordados feitos por mãos inábeis. Paquito ponderou com o linotipista que ele errava demais e que precisava melhorar seu rendimento produzindo provas com menos erros. E mostrou as provas de Medina como exemplo a ser seguido. O linotipista que era bonachão, alto e calvo, não se alterou com a bronca e respondeu ao Diretor Gráfico: “Mas Paquito, o Medina é o Pelé da Linotipo!” Desculpa esfarrapada, sem dúvida, mas que expressava uma inegável verdade pois o que Pelé fazia dentro de campo com arte e objetividade, Domingos Medina fazia todas as noites trabalhando em sua Linotipo Meteoro no jornal “Última Hora”.


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