Acima Roger Vincent Fildimaque; abaixo José Pereira de Andrade Sobrinho, o 'Pereirinha' ao lado de Henrique Alves Neto. |
Alguns linotipistas são lembrados por
suas qualidades pessoais, outros por terem sido profissionais acima da média.
Edgar Carnevalli é um daqueles que se encaixam nos dois quesitos, destacando-se
tanto por seu caráter quanto por sua competência técnica. Trabalhando na
Empresa Folha da Manhã em meados dos anos 60, Edgar foi matriculado pela ‘Folha’
na Escola Senai de Artes Gráficas. Durante o curso de Mecanotipista (esse era o
nome dado pelo Senai ao aprendizado de linotipo), Edgar já chamava a atenção
dos instrutores pela destreza com que executava os exercícios de composição. E
não apenas os exercícios de textos corridos, mas também aqueles mais complexos
como tabelas e balancetes. Concluídos os três semestres no Senai (Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial) Edgar Carnevalli voltou à ‘Folha’, permanecendo
algum tempo na equipe de manutenção das máquinas à espera de uma oportunidade para se
efetivar como linotipista. Naqueles anos a Empresa Folha da Manhã havia se
tornado uma verdadeira fábrica de jornais, com diversas redações editando
“Folha de S. Paulo”, “Folha da Tarde”, “Notícias Populares”, “Última Hora”, “A
Gazeta Esportiva” e ainda “Cidade de Santos”. Com a formação de uma nova turma
para finalizar os tantos jornais noite adentro, Edgar Carnevalli, juntamente
com outros jovens iniciantes na profissão, foi guindado à condição de
linotipista antes mesmo de completar 20 anos de idade. Faziam parte dessa turma
de novos operadores de linotipo Roger Vincent Fildimaque, Henrique Alves Neto, Gerson Coelho
da Rocha, José Pereira de Andrade Sobrinho, Oswaldo Pecci, Kioshi Ono,
Francisco dos Santos, Paulo Canil, Dorival de Almeida e ainda diversos outros
jovens.
Jornais compostos e impressos na fábrica de jornais Empresa Folha da Manhã. |
Waldo Barretto |
Política
salarial ilegal - Esperta mas ilegalmente a Empresa
Folha da Manhã criou uma política salarial diferenciada para os novos
linotipistas, a chamada ‘garotada da noite’. Estes receberiam por algum tempo pouco mais que a metade do que recebiam, pelo mesmo trabalho, os demais linotipistas. O arquiteto desse perverso plano
foi o então diretor gráfico Waldo Barretto, respaldado pelo Departamento de
Recursos Humanos e, sem dúvida, pela diretoria do Grupo Folhas. Como porta-voz
da empresa Waldo Barretto prometeu ao novo grupo que em pouco tempo ‘acertaria’
os salários do novo grupo de linotipistas equiparando-os aos demais
profissionais, isonomia que não se concretizou no prazo estipulado. Tal situação
que afrontava a Consolidação das Leis Trabalhistas em seus artigos 4.º e 461
não foi aceita por Edgar Carnevalli que, por essa razão, acabou perdendo o
emprego, sendo dispensado, mesmo tendo demonstrado sobejamente ser um
profissional de grande futuro e utilidade para a empresa. Edgar ficou poucos
dias desempregado pois a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo lhe abriu as
portas e ganhou um linotipista que logo passou a impressionar chefes e colegas.
O sistema de composição salarial na Imesp era o chamado ‘regime de produção’,
ou seja, quanto mais o linotipista produzisse maior seria seu salário. A
princípio Edgar Carnevalli assombrou a todos com sua produtividade, porém com o
passar do tempo deixou de ser novidade o jovem, quieto e compenetrado linotipista liderar o mapa de
produção, alternando essa liderança com ‘puxadores de linha’ mais calejados.
Edgar Carnevalli com Aquiles Feliciano Afonso, outro estupendo linotipista. Edgar já chegou a ser confundido com o ator Tony Ramos e a foto explica... |
Da
Impesp para o DCI - O sistema de fotocomposição aterrorizava a categoria e pouco a pouco todos os grandes jornais adotavam a nova tecnologia. Iniciado o processo de implantação
da fotocomposição na Imprensa Oficial do Estado, Edgar Carnevalli foi admitido
no Diário Comércio e Indústria, o DCI, situado, assim como a Impesp, no bairro
da Moóca. No DCI havia duas turmas de linotipistas, a ‘do dia’ e a turma ‘da
noite’, ambas atuando sob o regime de produtividade. O volume de trabalho do
período noturno era infinitamente maior e os linotipistas desse turno chegavam
a produzir o dobro de linhas da média produzida pelo pequeno grupo que trabalhava
durante o dia. No DCI havia verdadeiras ‘feras’, capazes de produzir perto de
150 mil linhas por mês, ou seja, alguma coisa ao redor de cinco mil linhas por
jornada de trabalho. Entre os rapidíssimos linotipistas do DCI, líderes do mapa
de produção, estavam José Pedro Vedovato, Antônio Cláudio A. do Vale, João
Vinchy, Achiles Feliciano Afonso e Luiz Edgard Moro. Com o final do ano
iniciava-se o período dos balanços, o que coincidiu com a chegada de Edgar Carnevalli
àquele jornal especializado em economia, para reforçar a equipe diurna.
Recordes
diários - No primeiro mês de trabalho a produção total de Edgar
Carnevalli não chegou a chamar à atenção pois ele não chegara a cumprir
integralmente o mês de trabalho, uma vez que começara na empresa em meados do
mês. Porém nos 30 dias seguintes, quando o grupo de linotipistas do turno do dia
adiantava os balanços que as grandes empresas eram obrigadas a publicar, Edgar
Carnevalli mostrou sua impressionante capacidade de produção. Seu total diário de linhas produzidas superava a de muitos linotipistas do período noturno que incrédulos viam nos mapas os números espetaculares de Edgar Carnevalli, números que confirmavam a fama da
qual ele veio precedido. Só restava mesmo tirar o chapéu e reconhecer ser Edgar
Carnevalli um linotipista diferenciado, completo mesmo pois somava destreza com
provas limpas. E não se tratava de composições com algumas dezenas de linhas e
sim balanços que ocupavam toda uma página do jornal.
Mapa de produção da equipe de linotipistas do jornal Diário Comércio e Indústria. |
Um
Fora-de-Série - Tive o prazer e a honra de ser companheiro de trabalho de
Edgar Carnevalli na ‘Folha’, no ‘Estadão’, no DCI e, já nos anos 80, no Diário Popular quando este passou a funcionar na Rua Major Quedinho. No ‘Estadão’ eu e Edgar Carnevalli operávamos a mesma linotipo, em turnos diferentes, fazendo centenas de anúncios de coluna e meia. E como dava gosto ver Carnevalli ‘dar rotativa’ em coluna e meia com a mesma facilidade de quem compunha
em uma coluna. Por onde passou Carnevalli criou admiração pelo profissional
fora de série que foi e pela sua integridade pessoal demonstrada no episódio da
lesiva política salarial da ‘Folha’. Hoje, tantos anos distantes das
barulhentas oficinas que há décadas deixaram de existir, pode-se afirmar que
Edgar Carnevalli fez parte daquele grupo seleto de profissionais chamados de ‘Linotipistas
Notáveis’.