Lembranças dos tempos em que jornais e revistas eram feitos nas saudosas oficinas tipográficas - Editor: Darci Fonseca

16 de jan. de 2014

AQUILES FELICIANO AFONSO, UM PORTUGUÊS INTELIGENTE


Entre os linotipistas da Folha de S. Paulo, nos anos 60 e 70 havia um que se destacava dos demais por sua aparência séria, sisuda mesmo. Mera aparência que escondia um grande gozador que não perdia oportunidade para ironizar seja lá quem fosse que fizesse alguma trapalhada. Profissional dos melhores, ele acumulava provas limpas uma atrás da outra, por vezes sem errar uma única palavra durante toda a jornada de trabalho e tinha uma característica peculiar de teclar pois usava apenas quatro dedos, os indicadores e os médios das duas mãos. Mesmo assim era um dos campeões de produtividade e fica-se a imaginar como seria a produtividade desse linotipista se ele usasse mais dedos no teclado. Falo do AQUILES FELICIANO AFONSO, a quem Laerte Canil (o 'Carijó') chamava carinhosamente de ‘Antão’ devido à sua ascendência lusitana. Aquiles veio da Impress, empresa do Grupo Folhas que fazia livros, trazido pelo então gerente gráfico Fábio de Mello, isto em 1965. Quando a gráfica da Folha necessitou de reforço com a aquisição do jornal ‘Notícias Populares’, Fábio de Mello levou para a gráfica do 2.º andar da Alameda Barão de Limeira n.º 425, os linotipistas Jurandir Gomes da Silva, Sérgio Pizzigatti, Dalvio Oliveira do Nascimento e Aquiles Feliciano Afonso. Um quarteto de respeitáveis profissionais.

À direita foto de gráficos da Folha de S. Paulo vendo-se, entre outros, Orlandinho,
Tatu (Carlos Messias), Totó (Antônio Faria), Grego (Roger Vincent Fildimaque),
Lambari (Altair Martins) e Galocha (Roberto Fonseca). Segurando a  garrafa
de cerveja Aquiles Feliciano Afonso e encoberto atrás de Tatu está José Mezzetti.
Na foto à direita Aquiles e Roger em 2012.

A cabeçada salvadora - Aquiles é descendente de portugueses, mas diferentemente dos patrícios tem sempre respostas rápidas e aguçado senso de humor. Inteligente de verdade, ora pois... Mas certo dia Aquiles deu uma de ‘português’, quando estava numa roda de companheiros entre duas linotipos conversando e segurou num excêntrico da máquina da esquerda e colocou inadvertidamente a mão na outra linotipo. Ficou grudado e os colegas de trabalho que estavam ao redor não sabiam o que fazer. Totó (Antônio Faria), Lambari (Altair Martins) e Pau-na-Mula (Jurandir Gomes da Silva) ficaram tão paralisados quanto Aquiles que, mudando de cor, suportava o choque de 220 volts. Por sorte passava por ali o paranaense Talarico (Dalvio Oliveira do Nascimento) que ao ver a cena não teve dúvidas, correu em direção do Aquiles e acertou-lhe forte cabeçada na testa. Aquiles caiu desacordado para trás e o grupo acreditava que ele não houvesse suportado o choque e tivesse ido fazer companhia a Camões em mares nunca dantes navegados. Alguém correu para o prédio vizinho, onde funcionava o Departamento Médico para chamar o Dr. Tomanik, o que levaria pelo menos dez minutos. Enquanto isso Dalvio abriu a boca do companheiro desacordado e puxou sua língua para fora, desenrolando-a. Dois ou três minutos depois Aquiles recobrava os sentidos e aos poucos começou a conversar normalmente refazendo-se do susto. Do susto do choque até que Aquiles se refez rapidamente, mas ficou uma semana com um enorme galo na testa provocado pela cabeçada salvadora do Talarico. E nunca mais o português segurou em duas máquinas ao mesmo tempo...

Timaço da gráfica da Folha de São Paulo, vendo-se em pé Orlandinho, Carlos, Devanir,
Jaiminho, Elvio, Jair, N.I., N.I., AQUILES e Medina; agachados Adaclé, Mamamá,
Pernambuco, Gersão, Henrique, Solezinho e Folha Seca.


Juventino ou corintiano? - Reencontrei Aquiles Feliciano Afonso na Linotipadora Godoy, em 1982, onde ele continuou a ser o mesmo colega de trabalho aparentemente sério mas sempre pronto para disparar uma frase irreverente. Ao contrário do que seria normal, Aquiles não torcia para a Portuguesa de Desportos. Afirmava sempre que era torcedor do Juventus, mas suspeitava-se que Aquiles fosse um corintiano não assumido, inclusive sendo morador da Zona Leste. Neste dia 17 de janeiro Aquiles completa mais um ano de vida, devendo estar ao redor dos 70 anos e mantendo a jovialidade, como pode ser visto nas fotos feitas durante uma reunião de ex-gráficos, ao pé da Serra da Cantareira, no final de 2012. Parabéns ao Aquiles, linotipista da mais alta categoria e emérito gozador.

Aquiles Feliciano Afonso (na segunda linotipo) em 1983 na Linotipadora Godoy.
Os demais são Darci Fonseca, João Pedreiro e Gelindo Tozzi.